Um dedo de prosa

Peguei o ônibus e sabia que ia ser um longo caminho, apesar de não estar tão longe de casa. Eram quase seis horas da tarde e a avenida Cabildo estava tumultuada. Já comecei a maquinar como aproveitar melhor o tempo e tentei fazer uma ligação, mas sem sucesso. Logo que desliguei o homem que estava sentado do meu lado me fez uma pergunta:

– Não queria te incomodar antes, porque vi que você estava no telefone… Você sabe se a gente ainda não passou a Ponte Saavedra? Porque eu preciso descer na av. Maipú, mas não sei onde a avenida começa. É depois da ponte, né? Então, porque meu irmão disse que eu tenho que descer no 8o. quarteirão e o motorista disse que é no 10o. depois da ponte.

Até aí, nada estranho pra um brasileiro que mora no Brasil. Mas pra um brasileira que mora em Buenos Aires, a quantidade de detalhes que o cara deu me chamou a atenção. Um portenho perguntaria no máximo: “Você sabe se já passamos a Ponte Saavedra?” ou “A av. Maipú é continuação dessa?”. Pensei com meus botões que o cara devia ser do interior, porque estava mais conversando do que perguntando. No Brasil, eu não gostava muito de dar trela pra conversa no ônibus, muito menos nas minhas incansáveis viagens São Paulo-Taubaté, ou vice-versa. Mas aqui, as pessoas falam tão pouco com desconhecidos, que eu fico até animadinha quando alguém vem querendo puxar papo. Principalmente, se a pessoa me aborda de um jeito educado e parece simpática, como era o caso.

Expliquei direitinho como ia ser o caminho e ele foi contando mais sobre onde ia e porquê. O que só confirmava a minha teoria.

– Eu vim visitar meu irmão, já faz 30 anos que não moro em Buenos Aires e muitos anos que não venho aqui.

– E onde você mora? – não resisti e perguntei. Mas a resposta extrapolou minha suposição.

– No Brasil, em São Paulo, na região de Jundiaí… blábláblá

Aí tudo se explicou! Por isso eu me senti “tão em casa”. Continuamos a conversa em português. Ele também ficou feliz com a coincidência. Contou que foi com a esposa e a filha pensando em ficar 5 anos, já ficaram 30 e não cogitam voltar.

O auge da conversa, foi quando ele falou que gostava de morar no Brasil porque as pessoas são mais sociáveis. “Aqui todo mundo fala o mínimo necessário. Elas repondem com o mínimo de palavras. Eu, que sou argentino, tenho até que prestar atenção quando pergunto alguma coisa, pra não perder a resposta”, comentou. E é examente assim. E de alguma forma eu já comentei isso em outro post (Direto e reto). Pode ser que o turista não sinta a mesma coisa, porque desperta mais curiosidade nos locais e acaba lidando com gente da área de hotelaria e turismo, que costuma ser mais receptiva e comunicativa. Mas basta entrar no ônibus, no metrô ou em alguma fila em Buenos Aires para entender essa coisa cultural de economizar saliva. Os lugares em geral são mais silenciosos, porque é como se as pessoas se “reservassem” para os conhecidos – com exceção dos velhinhos que costumam buscar alguém com quem falar.

Depois de escutar de um argentino exatamente o que eu sempre achei, fiquei mais tranquila em saber que não era implicância minha. Ou será que o Alberto (antes dele descer, nos despedimos nos apresentando) só chegou à essa conclusão porque ele já se abrasileirou mais do que pode imaginar? 😉

6 thoughts on “Um dedo de prosa

  1. gisavame@hotmail.com 23/08/2011 / 15:55

    BRASILEIROS ESTÃO SEMPRE SE COMUNICANDO… EM QUALQUER PARTE DO MUNDO.
    COMO É BOM DAR ABERTURA AO OUTRO PARA QUE ELE INTERAJA CONOSCO.
    PARABÉNS PELA DESCRIÇÃO E PELA ATITUDE.

    • renatavmesquita 24/08/2011 / 12:05

      O brasileiro está sempre se comunicando mesmo que seja com mímicas, quando o idioma falha, né, mãe? hehe

  2. gildete valerio 05/09/2011 / 14:34

    Parece mesmo que é o brasileiro, e quase só o brasileiro, que é tão sociável assim, comunicativo, receptivo e, na opinião de alguns outros países do mundo, muito fácil de enganar por ser tão receptivo. É o que eles pensam. É que o resto do mundo não conhece bem o jeito malandro de o brasileirinho ser, né?

  3. renatavmesquita 07/09/2011 / 23:30

    Hehe… Outro dia comentaram no meio de um grupo de brasileiros “será que não somos nós que rimos demais?”… Mas, como você disse, tia, tudo tem sua contrapartida! A risadinha simpática também pode esconder muita malandragem por trás…
    Beijos

  4. Juba 08/11/2011 / 16:56

    É uma coisa que cada vez mais eu to valorizando. Antes eu pensava “ai, mas porque essa gente quer morar no Brasil? Uma bagunça, uma falta de infraestrutura danada, uma burocracia, nada funciona”. Agora entendo: o patrimônio nacional é o coração aberto =)
    Buenos Aires é a miniEuropa. Para o bem e para o mal. 😉

    • renatavmesquita 08/11/2011 / 23:33

      Exatamente! É o nosso maior patrimônio!
      E atualmente é a Europa que está ficando mais parecida com a Argentina: recessão, inflação e até umas manifestações de rua quase caceloraços!! hehe

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