Ruído para os meus ouvidos

Prestes a entrar na sala de uma das atividades do Filba – Festival de Literatura de Buenos Aires, na semana retrasada, me perguntaram se eu queria aparelho para escutar a tradução. Entro contente, sem aparelho, para escutar minha língua-mãe porque a “charla” (palestra ou conversa, em ‘argentinês’) vai ser entre brasileiros e argentinos. Mas me decepciono porque me encontro com uma ‘portunholada’ plena. E esta vai ser só a primeira de outras várias decepções do tipo nos painéis entre conterrâneos e hermanos acontecidos nos dez dias do festival.

O desapontamento não é pelo conteúdo debatido, os temas eram ótimos e deram muito pano pra manga. Mas eu tinha que fazer um grande esforço para me concentrar no que estava sendo dito e não na forma como estava sendo dita. Como um maníaco por limpeza numa casa de pau-a-pique ou um louco por carro diante do seu para-choques todo ralado, estava eu mentalmente corrigindo todos os erros dos brasileiros que tentavam falar espanhol e imaginando quanto os argentinos, que sabem algo ou nada de português, poderiam entender o que se estava tentando dizer.

Será que não avisaram os convidados pro debate da presença dos tradutores simultâneos?

Nessa ideia de que português e espanhol são línguas irmãs gêmeas, perde todo mundo. Perde o palestrante que quer se explicar e não tem os recursos na outra língua; perde o tradutor que gasta mais neurônios pra traduzir de um “esperanto aportunholado” pro qual ele não está preparado, e perde o público que queria escutar o português. E, neste último caso, não se trata só dos brasileiros com saudade de casa, como eu, mas também dos argentinos que adoram o ritmo do português do Brasil e poucas vezes têm a oportunidade de escutar um nativo falando.

Não acho que os intelectuais e escritores brilhantes que participaram do evento tinham que saber castelhano, nem acho que os turistas têm que vir falando espanhol – aliás, me diverto muito vendo meus convidados se virando sem a minha ajuda para se entender com os locais. Mas uma coisa é uma comunicação informal, outra é estar num ambiente de debate, digamos, num ambiente de trabalho. Acho sim que seria bom ter em mente, que se espanhol e português são línguas irmãs, são irmãs que não se suportam desde o nascimento e que quando se juntam podem criar uma bela confusão

3 thoughts on “Ruído para os meus ouvidos

  1. Alexandre Scaglia 18/10/2011 / 16:16

    Rê, concordo plenamente com o seu comentário: no portunhol, perdem todos! Trabalhando atualmente em uma equipe com gente de todos os lugares da América Latina, vira e mexe me vejo em alguma call em que sou o único que não fala espanhol… E não tenho dúvida: solto o inglês na minha vez de falar. Pelo menos todos estamos na mesma nessa escolha. 😉

    • renatavmesquita 18/10/2011 / 16:38

      Faz bem, Alê! Sou partidária de usar a língua que cada um sabe bem pra se expressar…
      É arriscado misturar port e esp porque tem muitos “falsos amigos”, ou seja, palavras que são iguais mais querem dizer outras coisas. Outro dia, numa coisa simples, dei uma deslizada no portunhol: sugeri pra minha irmã ir tomar café da manhã numa padaria que tinha barra. Ela começou a rir porque sabe espanhol (barra, neste caso, seria “balcão”), mas em outros momentos as coisas podem complicar… ainda mais nos negócios! 🙂

  2. gildete valerio 03/01/2013 / 10:50

    OLá, Rê

    Seria interessante se os portunhelenses lessem esse artigo, pra entenderem melhor que se deve falar ou português ou espanhol. Essa mistura de portunhol é como óleo e água… Só mistura se estiver com mau olhado…

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