Pow! Paf! Atchim! Au-au!

Esta é a Tuba!

Desde que eu comecei a “desfilar” pela Argentina e pelo Brasil com a minha cachorrinha, que já fez um ano, (sim! ela é internacional! já viajou para o Brasil!), me perguntam: “Mas e daí? Ela fala português ou espanhol”?

Na verdade ela fala “cachorrês”, alguma coisa entre um uivo e um resmungo de uma velhinha reclamona. Mas a pergunta, que muitos considerariam infame e eu acho simpática, tem mais fundamento do que se imagina. Se no Brasil o melhor amigo do homem faz “au-au”, na Argentina ele faz “guau, guau”. Assim como o galo que para os brasileiros canta “cocorocó”, para os “hispano hablantes” canta “ki-kiri-ki”. É só abrir um livrinho infantil para descobrir outras várias diferenças. E os exemplos não se restringem ao mundo animal… Aqui a gente espirra “atchis”, no Brasil é “atchim”. E o nosso “Oba” comemorativo não quer dizer nada para os argentinos, que usam “Yupii” (pronúncia: “jupii”). Mas dificilmente você escuta alguém falando isso, eu quase só vejo as onomatopeias por escrito.

Enquanto no Brasil a gente se expressa muito mais por meio deste recurso. “Eu estava lá, pá… daí, de repente, tumm… bati em alguma coisa.” Não sei se a razão disso está mais ligada à falta de recursos linguísticos de uma maioria com de poucas letras… mas eu acredito que tem mais a ver com um jeitinho mais solto, informal e sonoro da nossa língua e do nosso povo. Aqui, não tem blablablá, tititi, lero-lero ou nhenhenhém, o uso das onomatopeias fica bastante limitado às histórias em quadrinhos.

O personagem Clemente diz: "A onomatopeia está para os quadrinhos assim como a metáfora está para a poesía." (autor: Caloi)

Uma expressão vale mais que mil palavras…

Geralmente uma expressão ou ditado popular é capaz de resumir tudo o que queremos dizer, mas levaríamos séculos para explicar em outras palavras. Além disso, uma frase bem colocada tem muito mais impacto e efeito do que uma longa história cheia de voltas. O problema quando falamos outra língua é exatamente aprender as expressões e ditados locais…

Pense comigo: se eu falar pra um argentino “Pensás que estás en la casa de la madre Joana?” com certeza só vai servir pra ele pensar que eu sou uma “loca de guerra” (o nosso “louca de pedra”) e que só falo coisas “sin son ni ton” (sem pé nem cabeça). E como um brasileiro poderia imaginar que um possível paralelo para o comportamento do folgado da “casa da mãe Joana” seria “como Pancho por su casa”?

É verdade que existem outras expressões muito mais próximas das correspondentes em português “Te doy la mano y me agarrás el codo”, já dá para imaginar que é a ideia de dar a mão e as pessoas quererem o braço (só se precisa saber que “codo” é cotovelo e a proximidade já facilita tudo).  Mas tem casos que são o oposto. Se no Brasil a gente coloca “panos quentes” para acalmar a situação, aqui eles colocam “paños fríos”. E tem ainda aquelas que são quase autoexplicativas, como “pajarito que comió, voló” (passarinho que comeu, voou), uma forma mais sútil de dizer “cachorro magro”, que come e vai embora.

Os exemplos são intermináveis e dão pano para muitas mangas (esta eu não sei como é em castelhano…). Por isso, “a cada dos por tres” (vira e mexe/com frequência) eu vou falar mais sobre expressões idiomáticas aqui.

Aceito sugestões!… Você conhece algum ditado em espanhol que acha legal, péssimo ou engraçado? Ou quer saber o que significa alguma expressão que já escutou e não registrou o que queriam te dizer com isso… 😉

Entrei na linha

by 100mifa

Este post ficou “engavetado” por quase duas semanas. Cada dia que eu pegava o trem da linha Mitre e ia meio apertada ou quase esmagada, achava melhor pensar um pouco mais sobre o que eu ia dizer aqui.

Mas, hoje eu estou decidida. Depois de uma semana com um carro à minha total disposição, pela primeira vez nesses meus 4 anos e meio aqui, eu já não tenho mais dúvidas… Trem é tudo de bom! Não tem coisa melhor!

Eu adoro dirigir, mas como qualquer ser humano em sã consciência odeio trânsito. Descobri que caminhar oito quadras e pegar o trem incomoda muito menos gente do que um elefante, do que uma fila interminável de carros ou do que um motorista de ônibus bronco.

É  uma delícia ter uma plataforma inteira a meu dispor para ficar esperando (mesmo nos vários dias que ele atrasa), poder entrar sem ter que falar com ninguém mal-humorado (aqui a gente diz até onde vai para o motorista e ele programa a máquina com o valor a pagar) e não ter que me equilibrar para colocar as moedas (porque só aceita moeda) e nem fazer malabarismo para sobreviver às barbeiragens do cara.

Além do que a passagem custa de 0,80 a 2,20 pesos. Baratinho!! E o transporte público aqui é mesmo para todos os públicos, tem gente de terno, jovem moderninho, todo mundo de MP3, alguns carregando laptops, e também gente simples e sem-teto.

O trem também ganha do metrô no meu ranking de preferências porque dá direito a luz do dia e vista panorâmica. Além de ter muito menos escada pra subir e descer. É a diferença entre me sentir uma minhoca e um papa-léguas.

Isso sem falar nas viagens de longa distância: não ter duas horas de check-in, não ter que esperar malas na esteira e não ficar com a sensação de claustrofobia pelo simples fato de que dá pra pular pela janela ou mesmo dá pedir pro “maquinista” pisar no freio…

Que bom seria poder viajar de trem pelo Brasil e pela Argentina, e entre os dois países também (num trem-bala, claro!)…

Cada macaco na sua árvore genealógica

Renata Valério de Mesquita é um nome relativamente fácil de entender e escrever no Brasil e na Argentina, mas rende muuuitas explicações. Não exatamente pela pronúncia que só muda substancialmente no “r” de Renata, que em espanhol precisa vibrar ao ponto de dar coceira no céu da boca.

A questão é mais sociocultural: as pessoas pensam que eu sou casada e quando eu digo que não (oficialmente, pelo menos) me olham com olhos de “que pessoa chique”. No começo eu achava esquisito e de tanto me explicar acabei entendendo porque tanta confusão!

Acho que tudo começa no “de”. Antes da famosa Evita, as mulheres aqui não tinham um documento próprio, eram um mero adendo colado no documento do pai e que depois passava a ser grudado no documento do marido. Quando se casava, portanto, a mulher colocava no fim do nome de solteira o “de” (de posse mesmo) seguido do sobrenome do marido. Os filhos, como já dá pra imaginar, recebiam só o sobrenome do pai.

Eu, por exemplo, seria de um tal Sr. Mesquita. Mas, como não sou casada, aos olhos dos Argentinos, com a estrutura de sobrenome que tenho, passo automaticamente à categoria de “doble apellido” (dois sobrenomes) reservada aos mais ricos e importantes que faziam questão de manter os sobrenomes das duas famílias pela tradição e pelo peso que tinham na sociedade.

Se a confusão acabasse aí estava bom. Mas tem outro problema quase matemático: a ordem dos fatores no caso dos nomes altera completamente o resultado. Por que o “Valério” vem antes do “de Mesquita”. Como sempre, portugueses e espanhóis foram do contra e complicaram nossas vidas para sempre (como já comentei no post “O Tratado de Tordesilhas do idioma”). Dizem que como muitos portugueses passavam meses ou até anos no mar, quando as crianças nasciam as “raparigas” registravam os bebês com o seu sobrenome e depois, quando o pai chegava de viagem, ele agregava a sua parte. Já a Espanha não seguia essa lógica e sim a de que o mais importante vem antes ou simplesmente vem só e, na sociedade patriarcal, naturalmente o sobrenome do pai impera.

Nos parâmetros daqui eu teria que chamar “Renata de Mesquita Valério”. Já perdi a conta de quantas vezes não fui encontrada nos cadastros de atendimento porque geralmente cito o “Mesquita” e estou registrada nos lugares pelo sobrenome “Valério”. E a bola de neve triplica de tamanho quando as brasileiras têm filhos com argentinos. Tem tabelião que não aceita as diferenças culturais e pega o primeiro sobrenome do pai e o primeiro da mãe (se o casal quer colocar os dois) e não há quem convença o indivíduo de que ele está causando um rebu na árvore genealógica da pobre criança.

O Tratado de Tordesilhas do idioma

Quanto mais aprendo espanhol, mais confirmo a minha teoria de que aconteceu um Tratado de Tordesilhas muito antes do acordo que dividiu os territórios do Novo Mundo. Foi um “desacordo” que dividiu as palavras entre portugueses e espanhóis.

Ou seja, do mar de vocábulos latinos em que esses dois vizinhos navegavam muitos séculos atrás, parece que eles fizeram questão de escolher significados ou cargas diferentes para cada um.

“Dança” é usado para bailes de salão, enquanto a palavra “baile” em português é que tem esse sentido. “Intriga” é curiosidade. “Tarado” é louco. “Saco” é casaco. “Bolsa” é saco plástico. “Cartera” é bolsa. “Taza” (que se pronuncia “tassa”) é xícara. “Copa” é taça. “Copo” é flocos, como de neve ou de cereais. “Vaso” é copo. Uma criança “mal criada” é mimada. “Sereno” é o guarda-noturno. “Parado” é em pé. “Quieto” é parado, sem se mexer. “Molestar” é única e exclusivamente incomodar e não tem nenhuma conotação sexual, mas nas primeiras vezes que eu tinha que falar “Te molesto?” (Estou incomodando?) na verdade me dava muito pudor. Depois a gente acaba perdendo a vergonha e já “agarra el saco” de qualquer homem (ou mulher) encapotado que entra em casa no inverno.

Mas a primeira vitória pra mim foi conseguir soletrar o meu próprio sobrenome com naturalidade e sem medo de levar um tapão na boca: “Mesquita con ese, cu, u, i” (Mesquita, com esse, que, u, i). É isso aí… a letra “que” chama “cu”. E eu, ingênua, que achava que ia ser simples, ia dizer: “Mesquita, como a igreja, mas com ‘s’” (porque em espanhol se escreve “mezquita”). Mas não funcionava, sempre me olhavam com cara de interrogação e perguntavam se era com “k”. Não tive saída e me acostumei.